26/11/2011

Como se faz funcionar um reactor nuclear

Para ilustrar o princípio de funcionamento de um reactor nuclear, consideremos, por exemplo, o caso de um reactor a neutrões térmicos, em que o combustível nuclear é à base de urânio-235 e o moderador é água natural.

Imaginemos que alguns neutrões – provenientes de uma fonte auxiliar de neutrões – entram no núcleo do reactor e vão “chocando” com núcleos atómicos do moderador (hidrogénio), acabando por provocar a cisão de núcleos de urânio-235. Os neutrões de cisão assim produzidos interagem com núcleos atómicos dos diversos materiais que entram na constituição do reactor, podendo ter destinos muito diferentes:
1 – podem provocar novas cisões de núcleos de urânio-235, com produção de mais neutrões;
2 – podem ser capturados por núcleos de urânio-238, sem provocar cisões;
3 – podem ser capturados pelos materiais presentes no núcleo do reactor (bainha do combustível, moderador, refrigerante, materiais de estruturas diversas);
4 – podem ser capturados pelos nuclidos altamente absorventes de neutrões de que são constituídas as barras de comando;
5 – podem escapar-se do núcleo do reactor, se não forem reflectidos.

Note-se que, no caso do destino 1, há ganho de neutrões, mas, nos restantes casos, há perda de neutrões para o processo de reacção em cadeia, seja por capturas não conducentes a cisão (destinos 2, 3 e 4), seja por escape de neutrões (destino 5). A reacção de cisão nuclear em cadeia diz-se auto-sustentada se, em média, a produção de neutrões for igual à perda de neutrões, por unidade de tempo.     

Um reactor nuclear é concebido por forma a que, quando as barras de comando estão completamente introduzidas no respectivo núcleo, a perda de neutrões é muito superior ao ganho, dizendo-se que o reactor está parado. Retirando lenta e progressivamente as barras de comando, a perda de neutrões vai diminuindo e o ganho vai aumentando, até que as barras passam por uma posição em que o ganho de neutrões é igual à perda: então, a reacção em cadeia é estacionária e a potência é constante. Pretendendo-se aumentar a potência, retira-se um pouco mais as barras de comando. Uma vez atingida a potência desejada, as barras são reintroduzidas, sendo fixadas na posição onde garantam, de novo, a estacionaridade da reacção em cadeia. Finalmente, para parar o reactor, basta introduzir completamente as barras de comando no núcleo do reactor e mantê-las nessa posição.

Retoma-se abaixo esta descrição (em 6 passos) com base no esquema seguinte:


1 – Com o reactor parado, a fonte de neutrões auxiliar está afastada e todas as barras de comando (de segurança e de regulação) estão introduzidas no núcleo do reactor: o factor de multiplicação é inferior a 1.

2 – Operações aquando do arranque do reactor: (a) aproxima-se a fonte de neutrões do núcleo do reactor; (b) sobem-se as barras de segurança, e (c) procede-se à subida lenta das barras de regulação, vigiando cuidadosamente a indicação do detector de neutrões: o factor de multiplicação ainda é inferior a 1, mas vai-se aproximando deste valor crítico.

3 – Ajusta-se a posição das barras de regulação de maneira a obter uma indicação constante do detector de neutrões e, entretanto, vai-se afastando lentamente a fonte de neutrões; uma vez retirada a fonte de neutrões, se se mantiver estacionária a indicação do detector de neutrões, a reacção de cisão nuclear em cadeia encontra-se exactamente em regime de auto-sustentação: o reactor está crítico e o factor de multiplicação é igual a 1.

4 – Se se pretender aumentar a potência do reactor (isto é, o número de cisões por segundo), sobe-se um pouco as barras de regulação (acima da cota crítica) de maneira que a indicação do detector de neutrões cresça a um ritmo não demasiado elevado: o reactor está levemente super-crítico (o factor de multiplicação é superior a 1).  

5=3 – Uma vez atingida a potência desejada, as barras de regulação são descidas até à cota crítica: o factor de multiplicação é de novo igual a 1 e a reacção de cisão nuclear em cadeia fica auto-sustentada à nova potência.

6=1 – Para parar o reactor, introduzem-se as barras de comando no núcleo do reactor.

Referências bibliográficas
L’Énergie Nucléaire, de Yves Chelet (Éditions du Seuil, 1962)
Reactores Nucleares de Cisão – O que são e como funcionam, de Eduardo Martinho & Jaime Oliveira (LNETI – Instituto de Energia, 1980)


Barra de comando Elemento de comando em forma de barra. Tipos de barras de comando: barras de regulação, para ajuste da reactividade do reactor, e barras de segurança, para paragem normal ou de urgência do reactor.

Comando de um reactor Modificação intencional da taxa de cisões num reactor nuclear, ou ajuste da reactividade, com vista a garantir o estado de funcionamento desejado.

Combustível nuclear Matéria contendo nuclidos cindíveis que, colocada num reactor, permite que aí se desenvolva uma reacção de cisão nuclear em cadeia.

Criticidade Estado de um meio ou de um sistema tornado crítico, isto é, no qual se desenvolve e auto-sustenta uma reacção de cisão nuclear em cadeia, em regime estacionário.

Crítico Que satisfaz as condições necessárias para que um meio, onde se desenvolve uma reacção de cisão nuclear em cadeia, tenha um factor de multiplicação efectivo igual a 1.

Detector de radiação O sensor de um sistema de detecção, isto é, o componente do sistema que é sensível às radiações. Em geral, por acção da radiação no detector, ocorre a ionização de um dado meio material (um gás, se se tratar de um detector gasoso), a qual origina impulsos eléctricos que podem ser analisados e contados através de outros componentes do sistema de detecção. Há vários tipos de detector, consoante a natureza da radiação e a aplicação que se tem em vista. Exemplos de detectores de neutrões: contador proporcional, câmara de ionização, câmara de cisão.

Factor de multiplicação Razão entre o número total de neutrões produzidos num reactor nuclear num dado intervalo de tempo e o número total de neutrões perdidos, por absorção ou por escape, no mesmo intervalo de tempo. Quando este parâmetro diz respeito ao núcleo de um reactor com dimensões muito elevadas (infinitas), designa-se por factor de multiplicação infinito (k¥); no caso contrário, designa-se por factor de multiplicação efectivo (ke).

Massa crítica Valor mínimo da massa de uma matéria cindível que pode conduzir a uma situação de criticidade. É de salientar que a massa crítica depende não só da composição da matéria cindível, mas também da sua disposição geométrica.

Moderação Diminuição da energia cinética dos neutrões em consequência de reacções de dispersão com núcleos atómicos de uma substância apropriada (contendo átomos leves).

Moderador Substância utilizada nos reactores nucleares para reduzir a energia cinética dos neutrões, por meio de reacções de dispersão e sem captura apreciável. Exemplos de moderadores: água, água pesada e grafite.

Multiplicação de neutrões Processo pelo qual um neutrão produz, em média, mais do que um neutrão num meio contendo uma substância cindível.

Núcleo (do reactor) Região de um reactor nuclear em que pode ter lugar uma reacção de cisão nuclear em cadeia. A parte essencial do núcleo do reactor é o combustível nuclear.

Paragem do reactor Actuação sobre a reacção de cisão nuclear em cadeia para levar o reactor a um estado subcrítico (factor de multiplicação efectivo < 1). A actuação pode consistir na introdução de barras de comando no núcleo do reactor.

Potência térmica total (de um reactor) Energia total dissipada no núcleo de um reactor nuclear, por unidade de tempo, em resultado das cisões nucleares que nele ocorrem. Para a energia total concorrem quer a energia dissipada instantaneamente (fragmentos de cisão, por exemplo) quer diferidamente (radioactividade dos produtos de cisão).

Reacção nuclear em cadeia Sucessão de reacções nucleares em que um dos reagentes é, ele próprio, produto de reacção. O exemplo mais importante é a reacção de cisão nuclear em cadeia: a cisão é provocada por neutrões e, na cisão, são produzidos neutrõesque, por sua vez, podem dar lugar a novas cisões... A reacção de cisão em cadeia e, portanto, o estado do reactor onde ela ocorre, podem ser classificados consoante o valor do factor de multiplicação efectivo: ke = 1 ® reacção estacionária (reactor crítico); ke < 1 ® reacção convergente (reactor sub-crítico); ke > 1 ® reacção divergente (reactor supercrítico).

Reactividade Parâmetro que traduz o desvio, em relação ao estado crítico, de um reactor nuclear em que se produz uma reacção de cisão nuclear em cadeia. Designa-se por r e é dado pela relação r = (ke – 1)/ke, em que ke representa o factor de multiplicação efectivo. Note-se que a reactividade do sistema pode ser nula (r = 0, se ke = 1), assumir valores positivos (r > 0, se ke > 1) ou valores negativos (r < 0, se ke < 1). Cf. Reacção nuclear em cadeia.

Reactor nuclear Dispositivo em que uma reacção auto-sustentada de cisão nuclear em cadeia pode ser mantida e controlada. Os produtos úteis resultantes do funcionamento de um reactor nuclear são, no essencial, de dois tipos: energia e neutrões. Nas centrais nucleares, aproveita-se a energia (calor); nos reactores nucleares de investigação, utilizam-se os neutrões (o reactor constitui a fonte de radiação).

Tamanho crítico Dimensões mínimas do núcleo de um reactor nuclear (com uma certa composição material e uma dada disposição geométrica) que permitem que ele se torne crítico.

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