15/01/2012

Resíduos radioactivos

As actividades das sociedades modernas originam resíduos diversos que deveriam ser depositados em condições seguras, para não se perturbar o equilíbrio ecológico. Para alguns desses resíduos, ainda não foi encontrada uma solução conveniente: por exemplo, grande parte das matérias plásticas não são degradáveis, os sais tóxicos de mercúrio não se decompõem, montes de automóveis e de contentores metálicos “enferrujam” nos parques de sucata. Por outro lado, vivemos numa atmosfera carregada de substâncias nocivas, como é o caso de diversos gases, aerossóis e produtos de escape de veículos a motor.

Produção anual de resíduos na União Europeia

Os países da União Europeia produzem mais de 2000 milhões de toneladas de resíduos sólidos e líquidos por ano, entre resíduos agrícolas, esgotos e águas residuais, lixos domésticos e resíduos industriais, alguns dos quais químicos, que são tóxicos, na sua maior parte. Esta massa de resíduos, cuja produção aumenta 2 a 3% por ano, põe problemas graves de poluição, em particular quando os contaminantes tóxicos não se decompõem.

Quanto aos resíduos resultantes da produção de electricidade a partir de centrais termoeléctricas que queimam combustíveis fósseis, é de referir, por exemplo, que uma central termoeléctrica a carvão com uma potência de 1000 MWe, durante 30 anos de funcionamento, consome cerca de 75 milhões de toneladas de carvão e produz, além de milhões de toneladas de resíduos gasosos, 15 milhões de toneladas de cinzas, cujo volume é o de um paralelepípedo com 1 quilómetro quadrado de base e 15 metros de altura.

É neste contexto que deve ser considerado o impacte ambiental das centrais nucleares, em particular no tocante aos resíduos radioactivos. Embora tenha havido progressos substanciais neste domínio, a verdade é que o assunto continua a despertar a atenção da opinião pública, na Europa  e não só, sobretudo no que se refere à armazenagem dos resíduos radioactivos de vida longa.

Mas, afinal, que se entende por resíduos radioactivos? Na prática, esta expressão é utilizada para designar os resíduos cuja gestão exige um sistema especial de controlo, isto é, um sistema que envolve, em particular, o registo dos resíduos produzidos e o licenciamento das instalações onde se trabalha com materiais radioactivos.

Quanto à sua classificação, os resíduos radioactivos podem ser incluídos num pequeno número de categorias, de acordo com (1) as concentrações dos radionuclidos presentes nos resíduos, e (2) os intervalos de tempo durante os quais permanecem radioactivos, os quais estão directamente relacionados com o período de semi-desintegração dos radionuclidos em causa:
Resíduo de baixa actividade: resíduo que contém baixas concentrações de radionuclidos, não exigindo uma protecção  especial (a adopção de medidas simples, como, por exemplo, o uso de luvas de borracha, é suficiente). Este tipo de resíduos é produzido em instalações nucleares (minas de urânio, fábricas de combustível nuclear e centrais nucleares, por exemplo) e em laboratórios hospitalares, industriais e de investigação. Entre estes resíduos figuram toalhas de papel, seringas, luvas de borracha e filtros de ar.
Resíduo de média actividade: resíduo que contém concentrações mais elevadas de radionuclidos, requerendo o uso de protecção durante as operações envolvidas na sua manipulação (em geral, escudos metálicos ou de betão e dispositivos de manipulação à distância). Este tipo de resíduos é produzido em centrais nucleares e em instalações de reprocessamento – onde o chamado combustível nuclear irradiado (já utilizado em reactores nucleares) é tratado quimicamente para remover os resíduos e recuperar o combustível que ainda pode ser aproveitado. Algumas das fontes radioactivas utilizadas no tratamento de cancros, na esterilização de equipamento médico e na indústria também requerem protecção, pelo que são incluídas neste grupo de resíduos. Tipicamente, esta categoria de resíduos inclui sucatas metálicas, resinas e fontes radioactivas quase esgotadas.
Resíduo alfa: resíduo radioactivo de baixa ou média actividade que contém emissores de partículas a, frequentemente com períodos de semi-desintegração longos. Embora seja muito fácil arranjar protecção contra os efeitos das partículas a, estes resíduos são potencialmente perigosos pelo facto destas partículas terem uma elevada ionização específica (o maior perigo reside na possibilidade de as emissões ocorrerem no interior do corpo humano, em resultado de uma eventual contaminação interna). Os resíduos alfa provêm de alguns laboratórios de investigação científica, de fábricas de combustível nuclear e de instalações de reprocessamento de combustível irradiado.
Resíduo de alta actividade: resíduo que contém as mais elevadas concentrações de radionuclidos. A intensidade da radiação emitida é tão elevada que o resíduo aquece e assim permanece durante algumas centenas de anos, até a maior parte da radioactividade decair. Este tipo de resíduos requer um arrefecimento apropriado e protecção pesada, isto é, barreiras (naturais ou artificiais) de grandes dimensões e/ou construídas com materiais de elevada densidade e dispositivos de manipulação à distância. Os resíduos de alta actividade são produzidos essencialmente nas fábricas de reprocessamento do combustível irradiado. De certo modo, pode dizer-se que os resíduos de alta actividade são as “cinzas” resultantes da “queima” do urânio. O próprio combustível “queimado”, ainda não reprocessado, é considerado como resíduo de alta actividade.

É de referir que os resíduos de baixa ou média actividade podem ser de vida curta ou de vida longa. Por seu turno, quando se fala de resíduos de alta actividade, é suposto serem de vida longa.
[Se a radioactividade de um resíduo radioactivo diminuir para níveis comparáveis ao dos materiais radioactivos naturais num intervalo de tempo inferior a algumas centenas de anos (300–500), o resíduo é considerado de vida curta. Se o intervalo de tempo necessário para que a radioactividade diminua para os níveis referidos acima for superior a algumas centenas de anos, o resíduo é classificado como sendo de vida longa.]

Convém ter presente que há centenas de tipos de radionuclidos, com períodos de semi-desintegração que podem ir desde fracções de segundo até milhões de anos, e que os nuclidos radioactivos se vão transformando, ao longo do tempo, até se converterem em nuclidos estáveis – os radionuclidos com período curto transformam-se rapidamente, mas a transformação dos radionuclidos com período elevado pode ultrapassar, em muito, a escala temporal da vida humana.

Ao longo do tempo, um resíduo de alta actividade transforma-se em resíduo de média actividade e, mais tarde, de baixa actividade. Por conseguinte, há uma distinção muito importante entre resíduos radioactivos – que eventualmente deixam de ser perigosos, embora ao fim de intervalos de tempo mais ou menos longos – e resíduos químicos tóxicos, alguns dos quais permanecem tóxicos para sempre.

Os princípios e exigências relativos às questões ambientais suscitadas pelas aplicações da energia nuclear para fins pacíficos têm inspirado, desde as primeiras décadas do século XX, recomendações, regulamentos e sistemas de controlo, a nível internacional e nacional.

O principal objectivo da gestão de resíduos radioactivos consiste em proteger as gerações actuais e futuras contra os efeitos de exposições inaceitáveis a radiações provenientes de materiais radioactivos produzidos pelo Homem. Na prática, isto consegue-se recorrendo a uma ou várias barreiras para conter os resíduos. Estas barreiras desempenham duas funções: (1) protegem as pessoas contra os efeitos das radiações emitidas pelos resíduos, e (2) evitam ou retardam a migração dos radionuclidos até à, e na, biosfera, garantindo que não chegam até ao Homem em concentrações inaceitáveis.

Uma sequência típica de operações de gestão de resíduos radioactivos é a seguinte:
• recolha dos resíduos;
• separação por categorias;
• tratamento (por exemplo, redução do volume, incineração dos resíduos sólidos ou evaporação e precipitação química dos resíduos líquidos);
• imobilização dos resíduos tratados numa matriz – cimentos, betumes ou polímeros, no caso dos resíduos de baixa e média actividade, e vidro, no caso de resíduos de alta actividade – que é, em geral, solidificada em contentores com  robustez mecânica adequada, grande resistência ao fogo, baixa solubilidade e bom comportamento a longo prazo;
• transporte para instalações de armazenagem temporária ou para depósitos;
• armazenagem temporária nos locais de produção ou em instalações centralizadas;
• depósito em instalações próximas da superfície da Terra ou em formações geológicas profundas.


Os resíduos de alta actividade são os que continuam a despertar mais atenção na opinião pública, apesar de já haver mais de meio século de experiência de tratamento e armazenagem deste tipo de resíduos . A propósito desta questão, é de referir, a título de exemplo, que uma central nuclear de 1000 MWe do tipo mais comum – PWR, ou seja, reactor a água pressurizada – origina aproximadamente 30 toneladas de combustível irradiado por ano. Este combustível é, depois, submetido a processos de separação, concentração e solidificação dos nuclidos radioactivos, em instalações de reprocessamento. No final, o volume dos resíduos de alta actividade resultantes destas operações fica reduzido a cerca de 3 metros cúbicos. Isto significa que, ao longo da vida da central nuclear – cerca de 30 anos –, o volume dos resíduos sólidos de alta actividade é apenas da ordem de 100 metros cúbicos. Ainda a título ilustrativo, é de salientar que se estima que o programa nuclear francês, que é particularmente importante, terá produzido, até ao final do século XX, resíduos sólidos de alta actividade cujo volume não é superior ao de uma piscina olímpica. Por conseguinte, não se está perante um problema de armazenagem de resíduos que justifique a procura urgente – e, porventura, precipitada – de soluções.

A imobilização, numa matriz adequada, dos resíduos tratados é, como se viu, uma das operações a pôr em prática num programa de gestão de resíduos radioactivos. O vidro é um dos materiais aplicáveis na solidificação dos resíduos radioactivos de alta actividade porque estes se combinam facilmente com os respectivos componentes. Certos vidros, tais como o Pirex, têm uma elevada estabilidade, resistindo bem ao calor, às acções químicas, às radiações e às acções mecânicas. Mesmo sujeitos a uma corrente de água quente, à temperatura de 40 graus Celsius, seriam necessários 100 anos para dissolver cerca de 1 milímetro de espessura. Além disso, é bem conhecida a capacidade dos sólidos para conservarem corpos no seu interior, durante grandes lapsos de tempo: no âmbar, encontraram-se, em perfeito estado de conservação, insectos fósseis com vários milhões de anos; dos glaciares, emergiram corpos de mamutes com mais de 30000 anos, com carne ainda fresca.

Os resíduos, depois de vitrificados, são encerrados em contentores de aço inoxidável concebidos para resistir à corrosão. Durante os primeiros 30 a 50 anos, estes contentores podem ser armazenados em piscinas, ou em câmaras devidamente ventiladas, nas instalações de reprocessamento. Após este intervalo de tempo, a libertação de calor – originado pelas radiações emitidas pelos resíduos nos materiais adjacentes – diminuirá a ponto de permitir que os contentores sejam transferidos para cavidades efectuadas em formações rochosas, centenas de metros abaixo da superfície do solo, sendo então suficiente o arrefecimento natural.

De acordo com estudos efectuados no sentido de aumentar as precauções no acondicionamento dos resíduos a longo prazo, considera-se que os contentores de aço deverão ter uma protecção suplementar contra a corrosão resultante de uma eventual penetração de água subterrânea nas cavidades rochosas. Essa protecção adicional poderá ser conseguida com 10 centímetros de chumbo, revestido exteriormente por 6 milímetros de titânio. A dissolução do titânio em água salina, à temperatura ambiente, é da ordem de 0,0013 milímetros por ano. Assim, a camada de titânio poderá durar cerca de 4000 anos. Note-se que foram encontrados, no Mediterrâneo, objectos romanos de chumbo que, apesar de terem permanecido submersos durante 2000 anos, apresentavam uma erosão pouco significativa.

Sistema de barreiras múltiplas para armazenagem de resíduos radioactivos a grande profundidade
As formações geológicas a utilizar na armazenagem de resíduos de alta actividade, devem ter, obviamente, uma elevada estabilidade. Refira-se, por exemplo, que as formações onde se situam minas de sal-gema são extremamente estáveis. As de Asse, na Alemanha, têm permanecido inalteradas durante mais de 100 milhões de anos e, muito provavelmente, continuarão assim durante o tempo necessário para a completa desintegração dos resíduos radioactivos.

A Natureza oferece-nos um bom exemplo de como trata, ela própria, os resíduos radioactivos, em termos de confinamento, a longo prazo. Há cerca de 2000 milhões de anos, e graças a uma extraordinária conjugação de circunstâncias, funcionaram reactores nucleares naturais, durante cerca de 500000 anos, num jazigo de minério de urânio situado perto de Oklo, no Gabão. Como todos os reactores nucleares, também estes originaram produtos radioactivos. As investigações científicas têm mostrado que estes produtos se foram desintegrando, sem se afastarem significativamente do local onde se formaram. Este episódio da história da Terra, descoberto em 1972, fornece úteis motivos de reflexão sobre as preocupações associadas à armazenagem de resíduos radioactivos em formações geológicas apropriadas.

Mina de urânio de Oklo, no Gabão, onde funcionou o mais antigo reactor nuclear (natural) conhecido

Finalmente, é de referir que uma outra abordagem das questões relacionadas com a gestão de resíduos radioactivos é a que se baseia no conceito de separação e transmutação de certos radionuclidos Este conceito tem a ver com a possibilidade de proceder, primeiro, à extracção química de radionuclidos de vida longa contidos nos resíduos e, depois, à sua transformação em radionuclidos de vida curta, por irradiação com neutrões, num reactor nuclear ou num acelerador de partículas. Há dois tipos de exemplos que ilustram bem a finalidade a atingir:

1. O tecnécio-99 e o iodo-129 são produtos de cisão com períodos de semi-desintegração muito elevados (200 mil anos e 16 milhões de anos, respectivamente) que põem problemas de isolamento na bioesfera porque se dissolvem rapidamente na água e se difundem facilmente nos ecossistemas. Por absorção de neutrões, os respectivos núcleos transformam-se em tecnécio-100 e iodo-130 (períodos de semi-desintegração de 16 segundos e 12 horas), que decaem para isótopos estáveis de ruténio e de xénon, em muito pouco tempo.
               
2. Uma outra classe de resíduos radioactivos que podem ser transformados, após separação, diz respeito a elementos radiotóxicos da série dos actinídeos (89 Z 103), em particular os isótopos de plutónio, neptúnio, amerício e cúrio com vida longa (períodos de muitos milhares de anos, nalguns casos). Submetidos a irradiação com neutrões, os núcleos destes isótopos sofrem cisão nuclear, dando origem a produtos de cisão de vida curta (períodos da ordem de 30 anos ou menos, na maior parte dos casos).  

O conceito de separação e transmutação tem, pois, potencialidades fáceis de apreender. Todavia, para o pôr em prática, é necessário resolver problemas extremamente complexos. Alguns países da OCDE voltaram a interessar-se por este assunto, a partir de 1989, consagrando-lhe um esforço significativo em matéria de investigação e desenvolvimento, na expectativa de que tal via possa contribuir para resolver os problemas postos pela gestão dos resíduos radioactivos, através da redução da proporção dos nuclidos de vida longa. Ela não substitui, porém, o recurso ao depósito de resíduos radioactivos, em profundidade, em formações geológicas estáveis. Até que se possa chegar a conclusões definitivas, o interesse da separação e transmutação de certos radionuclidos terá de ser demonstrado dos pontos de vista estratégico, científico, tecnológico e económico, assim como da segurança.

Fonte:
Energia Nuclear – Mitos e Realidades
Jaime Oliveira & Eduardo Martinho
(Editora O MIRANTE, 2000)

Para esclarecimento de conceitos, consultar:

25/12/2011

Efeitos ambientais de centrais nucleares

A utilização pacífica da energia nuclear para produção de electricidade desperta grandes preocupações na generalidade das pessoas, em particular no que se refere ao impacte ambiental das centrais nucleares. No que se segue, pretende-se proporcionar ao leitor um conjunto organizado de elementos informativos e, eventualmente, estimular alguma reflexão sobre o assunto.
Antes da abordagem deste tema ¾ que é propício a mal-entendidos ¾ convém recordar alguns factos, que poderão ajudar a enquadrar o problema.

Em primeiro lugar, importa ter presente que qualquer actividade humana comporta riscos. Uma viagem de automóvel, a faina do pescador, o trabalho de construção civil ou o banho de sol do veraneante, são apenas exemplos de situações correntes a que está associada a possibilidade de haver acidentes, lesões ou morte.
Em segundo lugar, é importante ter consciência que o funcionamento de uma instalação industrial acarreta sempre efeitos ambientais, que podem ser mais ou menos significativos, mais ou menos gravosos, consoante as circunstâncias. Instalações industriais como um complexo petroquímico, uma fábrica de cimento ou de pasta de papel, uma siderurgia ou uma exploração agro-industrial, por exemplo, não são inócuas em termos ambientais. De igual modo, as centrais termoeléctricas ¾ sejam elas convencionais ou nucleares ¾ têm inevitavelmente impactes sobre o ambiente. A questão que se põe aqui, como em todas as actividades humanas, é a de analisar as vantagens e os inconvenientes das opções em jogo. No que respeita à produção de electricidade, importa ponderar certos factores, tais como a necessidade de ir ao encontro dos anseios das populações, o carácter finito dos recursos naturais, o imperativo de acautelar o aprovisionamento em matérias-primas energéticas e o correspondente interesse estratégico de diversificar as fontes de energia, assim como os efeitos dos centros electroprodutores sobre a saúde e o ambiente.

Os principais obstáculos ao desenvolvimento da utilização da energia nuclear têm estado ligados às questões de protecção do ambiente. Há que reconhecer, no entanto, que esta situação envolve alguma dose de ironia. Na realidade, nenhum outro domínio científico ou técnico esteve sujeito a restrições tão severas, desde o início, com o objectivo de proteger o Homem e o ambiente. As próprias situações acidentais têm servido para aprofundar os conhecimentos técnico-científicos e, em consequência, para aumentar, cada vez mais, os níveis de protecção ambiental. Pode afirmar-se, com objectividade, que a utilização da energia nuclear tem proporcionado uma notável oportunidade no sentido de diminuir a poluição do ambiente.


A comparação de valores referentes a vários tipos de centrais termoeléctricas de igual potência (carvão, fuelóleo, gás e nuclear) poderá ajudar a compreender a razão da afirmação feita acima. Da análise desses dados, constata-se que as centrais nucleares:
1.    não consomem oxigénio;
2.    não produzem dióxido de carbono, que está na base do chamado efeito de estufa, de que pode resultar um indesejável aquecimento global do ambiente terrestre;
3.    não produzem dióxido de azoto nem dióxido de enxofre, a que estão associadas as  chamadas chuvas ácidas;
4.    não produzem poeiras;
5.    não produzem cinzas, cujas dificuldades de remoção não são de somenos importância; e
6.    não põem problemas especiais de transporte de combustível ¾ convém ter presente os riscos associados a esta faceta da questão, de que os mais impressionantes são, talvez, os que têm a ver com os desastres ecológicos provocados pelas chamadas marés negras, isto é, por derrames acidentais de “crude” no mar.


No que se refere ao impacte térmico do calor libertado pelas centrais termoeléctricas, importa sublinhar que nenhum processo térmico de produção de electricidade utiliza todo o calor disponível. Com efeito, apenas uma fracção do calor é convertida em energia eléctrica, sendo a parte restante libertada para o ambiente. Como o rendimento das centrais convencionais é superior ao rendimento das centrais nucleares e, por outro lado, uma parte do calor residual das centrais convencionais é expelida para a atmosfera juntamente com os gases de combustão, as centrais nucleares acabam por rejeitar mais calor para o ambiente (cerca de 35%) do que as centrais convencionais, sendo esse calor libertado em parte ao nível da água de refrigeração que circula no condensador do vapor. Todavia, as técnicas de dissipação do calor residual actualmente disponíveis ¾ seja através de grandes massas de água (mar, rio ou lago) ou através de torres de refrigeração, em que o calor é rejeitado directamente para a atmosfera ¾ permitem ultrapassar esta desvantagem das centrais nucleares. Na realidade, analogamente ao que se passa com as centrais convencionais, podem ser tomadas medidas de modo a não haver prejuízos para o ambiente resultantes do impacte térmico, deixando de fazer sentido falar de poluição térmica.

Questão diferente, e específica das centrais nucleares, é a que diz respeito à produção de nuclidos radioactivos no núcleo do reactor (produtos de cisão, que, com excepção de uma pequeníssima fracção, ficam retidos no combustível nuclear), e na sua vizinhança próxima ¾ produtos de activação, que resultam da interacção de neutrões com impurezas do fluido de refrigeração e com produtos de corrosão de materiais de estrutura. Os aspectos mais relevantes a ter em consideração no que se refere aos efeitos ambientais específicos das centrais nucleares são, nomeadamente, a descarga de efluentes radioactivos (líquidos e gasosos) e a gestão de resíduos radioactivos, em particular os resíduos sólidos de alta actividade.

As centrais nucleares estão equipadas com sistemas de tratamento de efluentes radioactivos, por forma a minimizar quer o volume quer a radioactividade dos efluentes descarregados. Além disso, a libertação para o ambiente é previamente controlada, de modo a garantir que os limites autorizados pelas normas de exploração da central não são excedidos.

As técnicas de controlo dos efluentes gasosos fazem apelo (1) à armazenagem dos efluentes durante o tempo suficiente para que a radioactividade diminua até limites aceitáveis, e (2) à filtragem dos efluentes com vista à retenção das partículas radioactivas antes da sua descarga, que é feita apenas quando as condições meteorológicas são favoráveis para a sua dispersão. 

Quanto aos efluentes líquidos, quatro técnicas principais de tratamento são utilizadas para baixar os níveis de radioactividade: armazenagem, filtragem, evaporação e desmineralização. Os líquidos residuais são descarregados em cursos de água ou no mar, onde se diluem, uma vez que se comprove que os níveis de radioactividade daí decorrentes são inferiores aos limites admitidos.

A gestão dos resíduos sólidos ¾ em particular, no que se refere aos resíduos de alta actividade ¾ é, porventura, o aspecto que mais preocupação tem suscitado na opinião pública. Num próximo post abordar-se-á este tópico com algum pormenor. 

Fonte:
Energia Nuclear – Mitos e Realidades
Jaime Oliveira & Eduardo Martinho
(Editora O MIRANTE, 2000)

Para esclarecimento de conceitos, consultar:

26/11/2011

Como se faz funcionar um reactor nuclear

Para ilustrar o princípio de funcionamento de um reactor nuclear, consideremos, por exemplo, o caso de um reactor a neutrões térmicos, em que o combustível nuclear é à base de urânio-235 e o moderador é água natural.

Imaginemos que alguns neutrões – provenientes de uma fonte auxiliar de neutrões – entram no núcleo do reactor e vão “chocando” com núcleos atómicos do moderador (hidrogénio), acabando por provocar a cisão de núcleos de urânio-235. Os neutrões de cisão assim produzidos interagem com núcleos atómicos dos diversos materiais que entram na constituição do reactor, podendo ter destinos muito diferentes:
1 – podem provocar novas cisões de núcleos de urânio-235, com produção de mais neutrões;
2 – podem ser capturados por núcleos de urânio-238, sem provocar cisões;
3 – podem ser capturados pelos materiais presentes no núcleo do reactor (bainha do combustível, moderador, refrigerante, materiais de estruturas diversas);
4 – podem ser capturados pelos nuclidos altamente absorventes de neutrões de que são constituídas as barras de comando;
5 – podem escapar-se do núcleo do reactor, se não forem reflectidos.

Note-se que, no caso do destino 1, há ganho de neutrões, mas, nos restantes casos, há perda de neutrões para o processo de reacção em cadeia, seja por capturas não conducentes a cisão (destinos 2, 3 e 4), seja por escape de neutrões (destino 5). A reacção de cisão nuclear em cadeia diz-se auto-sustentada se, em média, a produção de neutrões for igual à perda de neutrões, por unidade de tempo.     

Um reactor nuclear é concebido por forma a que, quando as barras de comando estão completamente introduzidas no respectivo núcleo, a perda de neutrões é muito superior ao ganho, dizendo-se que o reactor está parado. Retirando lenta e progressivamente as barras de comando, a perda de neutrões vai diminuindo e o ganho vai aumentando, até que as barras passam por uma posição em que o ganho de neutrões é igual à perda: então, a reacção em cadeia é estacionária e a potência é constante. Pretendendo-se aumentar a potência, retira-se um pouco mais as barras de comando. Uma vez atingida a potência desejada, as barras são reintroduzidas, sendo fixadas na posição onde garantam, de novo, a estacionaridade da reacção em cadeia. Finalmente, para parar o reactor, basta introduzir completamente as barras de comando no núcleo do reactor e mantê-las nessa posição.

Retoma-se abaixo esta descrição (em 6 passos) com base no esquema seguinte:


1 – Com o reactor parado, a fonte de neutrões auxiliar está afastada e todas as barras de comando (de segurança e de regulação) estão introduzidas no núcleo do reactor: o factor de multiplicação é inferior a 1.

2 – Operações aquando do arranque do reactor: (a) aproxima-se a fonte de neutrões do núcleo do reactor; (b) sobem-se as barras de segurança, e (c) procede-se à subida lenta das barras de regulação, vigiando cuidadosamente a indicação do detector de neutrões: o factor de multiplicação ainda é inferior a 1, mas vai-se aproximando deste valor crítico.

3 – Ajusta-se a posição das barras de regulação de maneira a obter uma indicação constante do detector de neutrões e, entretanto, vai-se afastando lentamente a fonte de neutrões; uma vez retirada a fonte de neutrões, se se mantiver estacionária a indicação do detector de neutrões, a reacção de cisão nuclear em cadeia encontra-se exactamente em regime de auto-sustentação: o reactor está crítico e o factor de multiplicação é igual a 1.

4 – Se se pretender aumentar a potência do reactor (isto é, o número de cisões por segundo), sobe-se um pouco as barras de regulação (acima da cota crítica) de maneira que a indicação do detector de neutrões cresça a um ritmo não demasiado elevado: o reactor está levemente super-crítico (o factor de multiplicação é superior a 1).  

5=3 – Uma vez atingida a potência desejada, as barras de regulação são descidas até à cota crítica: o factor de multiplicação é de novo igual a 1 e a reacção de cisão nuclear em cadeia fica auto-sustentada à nova potência.

6=1 – Para parar o reactor, introduzem-se as barras de comando no núcleo do reactor.

Referências bibliográficas
L’Énergie Nucléaire, de Yves Chelet (Éditions du Seuil, 1962)
Reactores Nucleares de Cisão – O que são e como funcionam, de Eduardo Martinho & Jaime Oliveira (LNETI – Instituto de Energia, 1980)


Barra de comando Elemento de comando em forma de barra. Tipos de barras de comando: barras de regulação, para ajuste da reactividade do reactor, e barras de segurança, para paragem normal ou de urgência do reactor.

Comando de um reactor Modificação intencional da taxa de cisões num reactor nuclear, ou ajuste da reactividade, com vista a garantir o estado de funcionamento desejado.

Combustível nuclear Matéria contendo nuclidos cindíveis que, colocada num reactor, permite que aí se desenvolva uma reacção de cisão nuclear em cadeia.

Criticidade Estado de um meio ou de um sistema tornado crítico, isto é, no qual se desenvolve e auto-sustenta uma reacção de cisão nuclear em cadeia, em regime estacionário.

Crítico Que satisfaz as condições necessárias para que um meio, onde se desenvolve uma reacção de cisão nuclear em cadeia, tenha um factor de multiplicação efectivo igual a 1.

Detector de radiação O sensor de um sistema de detecção, isto é, o componente do sistema que é sensível às radiações. Em geral, por acção da radiação no detector, ocorre a ionização de um dado meio material (um gás, se se tratar de um detector gasoso), a qual origina impulsos eléctricos que podem ser analisados e contados através de outros componentes do sistema de detecção. Há vários tipos de detector, consoante a natureza da radiação e a aplicação que se tem em vista. Exemplos de detectores de neutrões: contador proporcional, câmara de ionização, câmara de cisão.

Factor de multiplicação Razão entre o número total de neutrões produzidos num reactor nuclear num dado intervalo de tempo e o número total de neutrões perdidos, por absorção ou por escape, no mesmo intervalo de tempo. Quando este parâmetro diz respeito ao núcleo de um reactor com dimensões muito elevadas (infinitas), designa-se por factor de multiplicação infinito (k¥); no caso contrário, designa-se por factor de multiplicação efectivo (ke).

Massa crítica Valor mínimo da massa de uma matéria cindível que pode conduzir a uma situação de criticidade. É de salientar que a massa crítica depende não só da composição da matéria cindível, mas também da sua disposição geométrica.

Moderação Diminuição da energia cinética dos neutrões em consequência de reacções de dispersão com núcleos atómicos de uma substância apropriada (contendo átomos leves).

Moderador Substância utilizada nos reactores nucleares para reduzir a energia cinética dos neutrões, por meio de reacções de dispersão e sem captura apreciável. Exemplos de moderadores: água, água pesada e grafite.

Multiplicação de neutrões Processo pelo qual um neutrão produz, em média, mais do que um neutrão num meio contendo uma substância cindível.

Núcleo (do reactor) Região de um reactor nuclear em que pode ter lugar uma reacção de cisão nuclear em cadeia. A parte essencial do núcleo do reactor é o combustível nuclear.

Paragem do reactor Actuação sobre a reacção de cisão nuclear em cadeia para levar o reactor a um estado subcrítico (factor de multiplicação efectivo < 1). A actuação pode consistir na introdução de barras de comando no núcleo do reactor.

Potência térmica total (de um reactor) Energia total dissipada no núcleo de um reactor nuclear, por unidade de tempo, em resultado das cisões nucleares que nele ocorrem. Para a energia total concorrem quer a energia dissipada instantaneamente (fragmentos de cisão, por exemplo) quer diferidamente (radioactividade dos produtos de cisão).

Reacção nuclear em cadeia Sucessão de reacções nucleares em que um dos reagentes é, ele próprio, produto de reacção. O exemplo mais importante é a reacção de cisão nuclear em cadeia: a cisão é provocada por neutrões e, na cisão, são produzidos neutrõesque, por sua vez, podem dar lugar a novas cisões... A reacção de cisão em cadeia e, portanto, o estado do reactor onde ela ocorre, podem ser classificados consoante o valor do factor de multiplicação efectivo: ke = 1 ® reacção estacionária (reactor crítico); ke < 1 ® reacção convergente (reactor sub-crítico); ke > 1 ® reacção divergente (reactor supercrítico).

Reactividade Parâmetro que traduz o desvio, em relação ao estado crítico, de um reactor nuclear em que se produz uma reacção de cisão nuclear em cadeia. Designa-se por r e é dado pela relação r = (ke – 1)/ke, em que ke representa o factor de multiplicação efectivo. Note-se que a reactividade do sistema pode ser nula (r = 0, se ke = 1), assumir valores positivos (r > 0, se ke > 1) ou valores negativos (r < 0, se ke < 1). Cf. Reacção nuclear em cadeia.

Reactor nuclear Dispositivo em que uma reacção auto-sustentada de cisão nuclear em cadeia pode ser mantida e controlada. Os produtos úteis resultantes do funcionamento de um reactor nuclear são, no essencial, de dois tipos: energia e neutrões. Nas centrais nucleares, aproveita-se a energia (calor); nos reactores nucleares de investigação, utilizam-se os neutrões (o reactor constitui a fonte de radiação).

Tamanho crítico Dimensões mínimas do núcleo de um reactor nuclear (com uma certa composição material e uma dada disposição geométrica) que permitem que ele se torne crítico.